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quarta-feira, 12 de abril de 2017

TERRA INDÍGENA DE MANOÁ / PIUM RORAIMA

A TI de Manoá / Pium foi homologada com o Decreto Federal nº 86.924  de  16  de fevereiro de 1982. É a segunda maior área indígena da RISeL, com 43.337ha, no entanto, é a mais populosa das TIs com 1.918 habitantes100, entre Wapixana e Makuxi. É também, a que tem o   maior número de malocas: Manoá, Pium, Alto Arraia, Cumarú, Sapo e São João.



  MANOÁ ou MANAUÁ - O BALÉ DO NOME


MANAWA'U


 Dentre as malocas da região estudada, Manoá101  foi a que menos consenso obteve acerca   da etimologia de seu nome, entre os informantes entrevistados. A realidade étnica da maloca,    entre Wapixana e Makuxi, um grupo Arawak, outro Karib, nos revela o encontro de  dois  universos, duas culturas, duas línguas e conseqüentemente versões distintas sobre a motivação e origem do topônimo.
“Manoa” era o nome dado para um dos últimos mitos da América portuguesa - a cidade de ouro do lago Dourado (anexo A e B). Dick (1990, p.131)

 O célebre cientista francês sugere a hipótese de que Manoa é uma corruptela da antiga capital dos Manao, grupo de origem Arawak, que foi exterminado, após as invasões portuguesas e deixou como contribuição, o etnotopônimo da mais importante cidade da Amazônia,  Manaus.
Interessante notarmos, que apesar do grupo ser arawak, o nome do suposto lago da cidade  de
 ouro, Parima, tem a sua origem, segundo La Condamine102 na língua do Brasil, ou, neste caso a LGA. O pesquisador complementa seu relato à formação do antigo mito, em função do terreno baixo que se encontravam os Manao, propiciando a formação de diversas lagoas na região. Se conferirmos os mapas coloridos desta pesquisa, veremos o mesmo quadro pintado por La Condamine. O próprio Coudreau (1887, p.269) enxerga o mito por detrás de um nascer do sol "[...] Maintenant le soleil se lève derrière les montagnes de Cairrit103. Le campo devient un lac d'or." (o grifo é nosso)
Sobre a busca do mitológico lago na atual RISeL, o Ouvidor Francisco  de  Ribeiro  Sampaio


Esta cidade mitológica à beira do lago Dourado não encontra referência nos relatos dos moradores da maloca de Manoá. Entretanto, um dos informantes nos diz que Manoá vem do Wapixana - manawa'u106, que denota o igarapé perigoso (mana, ‘perigoso’ e wa'u, ‘igarapé’).  Mas
o informante diz que perigoso mesmo era o lago107:

Manawa'u é o igarapé perigoso ou igarapé que não deve ser perturbado, como era território de caça dos wapixana, eles portanto respeitavam o igarapé, principalmente o lago, pois acreditavam e ainda acreditam que no lago morava bichos misteriosos ou talvez uma serpente enorme, que protegia o lago e todos que moravam nele. (informação verbal)108


Esse mesmo informante relata que um grupo de caçadores makuxi, por volta de 1910, chegaram às margens do lago do Manawa´u e encantaram-se com a beleza da natureza e a fartura que lá existia, animais selvagens e peixes em abundância. Foram esses os primeiros moradores do lugar. Este pequeno grupo, formado apenas por caçadores, sofreu uma epidemia (especula-se que tenha sido sarampo) e morreram quase todos. Para os povos Wapixana e Atoraiu o pequeno grupo foi castigado por terem violado as leis da natureza. Natureza esta que o nome Wapichan já expressava – ‘local que não deve ser perturbado’, ‘lago perigoso’. Embora fora um lugar temível para esses, para os makuxi fora um lugar tentador, assim por volta de 1940, outro grupo, que morava na cabeceira do igarapé do Veado sitiou-se do lado oposto dos que morreram, ao lado direito do ig. do Arraia, conhecido hoje por Paricá e Bico  da Galinha. Este outro grupo chegou  com seu pajé Kokô Piasâmpá e o seu chefe Tapahium, que foi o primeiro Tuxaua, em seguidachegou outros grupos, das Serras, ao norte e da antiga Guiana Britânica, ao leste. Este novo povo passou a chamar Manawa'u por Manawa, por não conseguir pronunciar o 'u do  Wapixana.
O próprio Coudreau (1887) cita em seu mapa (anexo D), um pequeno igarapé de nome Manoa ouâ109, muito próximo da atual maloca. Naquela época o viajante francês dizia que, um pouco mais ao norte, existia a maloca do Wapixana “Leopoldino”. Esta informação reforça a hipótese de que o nome, realmente tem a sua origem no Arawak > Wapixana. Entretanto, como a maloca vive uma situação de hibridismo cultural entre os dois grupos citados, veremos a seguir, o lado Makuxi da motivação do topônimo.
Aquilino110, um antigo tuxaua da maloca, também se refere ao segundo grupo de Makuxi com seus dois principais Tapaiuna, ‘o dono da terra’ e Kogóbia Piazamba ‘vovó’111  e ‘pajé’.
Entretanto nesta narrativa, contada agora por um makuxi, o Tapaiuna, não é mais o chefe e sim o dono da terra, assim como  Kogóbia significa literalmente ‘vovó pajé’. O informante acrescenta  que esses são os mais antigos moradores da maloca. Em homenagem a eles, seu casal de filhos levou o nome dos fundadores.
Sobre a origem e motivação do topônimo  seu Aquilino conta que esses antigos mataram  um grande tamanduá bravo que vivia no lugar e matava muita gente chupando o sangue do pescoço. O nome deste animal em makuxi é tamanoa112. Assim, os makuxi denominaram a serra onde o animal foi morto de Tamanoa, com o tempo acabou virando o nome do igarapé, do lago e  do lugar, porém sem a primeira sílaba, restando apenas o termo  Manoá.
 Nos relatos dos Makuxi de Manoá consta que a grande maioria tem a sua ascendência dos índios da região das Serras113, situada no extremo norte do estado de Roraima. Isto aponta, uma migração para o sul, em direção aos campos do rio Branco. Uma das  causas  migratórias,  conforme os relatos, tem a sua origem no confronto interétnico - makuxi versus makuxi e/ou makuxi versus outros.Um morador antigo nos descreve este  fato.
Meus pais sairam da Raposa por causa dos índios que matavam (Makuxi-Jaricuna), há 100 anos quando meu pai chegou aqui não tinha wapixana. Também não havia ninguém morando no Alto Arraia e no Pium. O pessoal do Pium veio de Moscow (informação verbal)114.


Do mesmo modo que os Makuxi vieram das serras por causa do perigo  dos inimigos,  dentro do seu próprio grupo e outros, os Wapixana vieram do sudoeste115, como diz Faustino ao citar a maloca de Moscow. Nesta latitude, em função dessas movimentações, povos Arawak e  Karib passam a conviver em malocas mistas. Na região da Serra da Lua, a maloca de Manoá é a  que melhor representa esta miscigenação de Makuxi com Wapixana, cunhando-se até um termo para o resultado desta miscigenação: makuxana116.
Os Wapixana, apesar de terem batizado o topônimo, como visto na primeira versão, retornam para morar na maloca entre as décadas de 1970 e 80. A maioria dos Wapixana, desta segunda leva, vem da antiga Guiana Britânica (atual Guiana), principalmente por causa da revolta do  Rupununi117   de  1969.  Os  que  chegam  na  década  de  1980  vêm  pela  estabilidade  e   certasegurança da terra demarcada, pois a TI de Manoa / Pium, foi a primeira a ser homologada pelo governo federal. Geraldo Douglas é um exemplo de Wapixana provindo da Guiana, ele conta que chegou em Manoá, por volta de 1978, sua mãe veio antes em 1974. Sua principal justificativa por ter migrado foi que os "os índios do Brasil tem mais assistência do que na Guiana e além disso,
após a 'revolução', os índios perderam muitas terras para os negros do  país"  (informação  verbal)118.
A respeito da motivação toponímica de Manoá, seu Geraldo nos dá uma versão híbrida do nome contada a ele pelo finado tuxaua Costantino, em que Manauá (Manoá)  vem  de  mana, ‘arumã’ (do Makuxi) e wa'u, ‘igarapé’ (do Wapixana). Quer dizer um hibridismo toponímico    entre as duas línguas. Nesta versão, temos exatamente a realidade etnolingüística da maloca, expressa em seu nome. Entretanto, se nos atentarmos à primeira versão, de  que  manawa'u  (Igarapé Perigoso) é Wapixana e aventarmos a hipótese de que esta versão é a que tem mais subsídios históricos, estaremos diante de um processo de ressemantização do  termo.
Assim como Levy Cardoso descreve o processo de tupinização dos étimos  Karib  e  Arawak, no caso de Manoá, poderemos estar defronte de um processo de  "makuxinização" de  parte do topônimo Wapixana. Visto que, assim como o grupo tupi fora registrado como um dos maiores no Brasil colonial e tornou-se língua geral até meados do século XVIII, os makuxi são o
maior grupo étnico de Roraima119.

Uma última versão encontrada para o topônimo é a de um pastor. Este, ao chegar,  perguntou aos Makuxi o que o nome significava. Como não lhe responderam, o pastor concluiu   que o nome era bíblico, fruto de Manoá, pai de Sansão.Contudo, supomos ser o topônimo Manoá de origem Wapixana > manawa'u, o ‘igarapé perigoso’, portanto um animotopônimo, o único do texto toponímico da RISeL. Sua origem foi o



temido lago que passou a denominar o igarapé, a serra e finalmente a maloca. Esta translação toponímica120  chegou até, como vimos, ao nome da lendária cidade de  ouro.
João Paulo Jeannine Andrade Carneiro








A Morada dos Wapixana
Atlas Toponímico da Região Indígena da Serra da Lua – RR







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