A TI de Manoá / Pium foi homologada com o
Decreto Federal nº 86.924 de 16 de
fevereiro de 1982. É a segunda maior área indígena da RISeL, com 43.337ha, no
entanto, é a mais populosa das TIs com 1.918 habitantes100, entre Wapixana e Makuxi. É também, a que tem
o maior número de malocas: Manoá, Pium,
Alto Arraia, Cumarú, Sapo e São João.
MANOÁ ou MANAUÁ - O BALÉ DO NOME
MANAWA'U
“Manoa” era o nome dado para um dos últimos
mitos da América portuguesa - a cidade de ouro do lago Dourado (anexo A e B).
Dick (1990, p.131)
Sobre a busca do mitológico lago na atual RISeL,
o Ouvidor Francisco de Ribeiro
Sampaio
MANOÁ ou MANAUÁ - O BALÉ DO NOME
MANAWA'U
Dentre as malocas da região estudada, Manoá101
foi a que menos consenso obteve acerca da etimologia de seu nome, entre os
informantes entrevistados. A realidade étnica da maloca, entre Wapixana e Makuxi, um grupo Arawak,
outro Karib, nos revela o encontro de
dois universos, duas culturas,
duas línguas e conseqüentemente versões distintas sobre a motivação e origem do topônimo.
O célebre cientista francês sugere a hipótese de que Manoa é uma
corruptela da antiga capital dos Manao,
grupo de origem Arawak, que foi exterminado, após as invasões portuguesas e deixou
como contribuição, o etnotopônimo da mais importante cidade da Amazônia, Manaus.
Interessante notarmos, que apesar
do grupo ser arawak, o nome do suposto lago da cidade de
ouro, Parima, tem
a sua origem, segundo La Condamine102 na
língua do Brasil, ou, neste caso a LGA. O pesquisador complementa seu relato à
formação do antigo mito, em função do terreno baixo que se encontravam os Manao, propiciando a formação de
diversas lagoas na região. Se conferirmos os mapas coloridos desta pesquisa,
veremos o mesmo quadro pintado por La Condamine. O próprio Coudreau (1887,
p.269) enxerga o mito por detrás de um nascer do sol "[...] Maintenant le
soleil se lève derrière les montagnes de
Cairrit103. Le campo devient un lac d'or." (o grifo é nosso)
Esta cidade mitológica à beira do lago Dourado não
encontra referência nos relatos dos moradores da maloca de Manoá. Entretanto,
um dos informantes nos diz que Manoá vem do Wapixana - manawa'u106, que denota o igarapé perigoso (mana,
‘perigoso’ e wa'u, ‘igarapé’). Mas
o informante diz que perigoso mesmo era o lago107:
Manawa'u é o igarapé perigoso ou igarapé que não deve ser
perturbado, como era território de caça dos wapixana, eles portanto respeitavam
o igarapé, principalmente o lago, pois acreditavam e ainda acreditam que no
lago morava bichos misteriosos ou talvez uma serpente
enorme, que protegia
o lago e todos que moravam nele. (informação
verbal)108
Esse mesmo informante relata que um grupo de caçadores
makuxi, por volta de 1910, chegaram às margens do lago do Manawa´u e
encantaram-se com a beleza da natureza e a fartura que lá existia, animais
selvagens e peixes em abundância. Foram esses os primeiros moradores do lugar.
Este pequeno grupo, formado apenas por caçadores, sofreu uma epidemia
(especula-se que tenha sido sarampo) e morreram quase todos. Para os povos
Wapixana e Atoraiu o pequeno grupo foi castigado por terem violado as leis da
natureza. Natureza esta que o nome Wapichan já
expressava – ‘local que não deve ser perturbado’, ‘lago perigoso’. Embora fora
um lugar temível para esses, para os makuxi fora um lugar tentador, assim por
volta de 1940, outro grupo, que morava na cabeceira do igarapé do Veado
sitiou-se do lado oposto dos que morreram, ao lado direito do ig. do Arraia,
conhecido hoje por Paricá e Bico da
Galinha. Este outro grupo chegou com seu pajé Kokô Piasâmpá e o seu chefe Tapahium, que foi o primeiro Tuxaua,
em seguida chegou outros grupos, das Serras, ao norte e da antiga Guiana Britânica,
ao leste. Este novo povo passou a chamar Manawa'u
por Manawa, por não conseguir
pronunciar o 'u do Wapixana.
O próprio Coudreau (1887) cita em seu mapa (anexo D),
um pequeno igarapé de nome Manoa ouâ109, muito próximo da atual maloca. Naquela
época o viajante francês dizia que, um pouco mais ao norte, existia a maloca do
Wapixana “Leopoldino”. Esta informação reforça a hipótese de que o nome,
realmente tem a sua origem no Arawak > Wapixana. Entretanto, como a maloca
vive uma situação de hibridismo cultural entre os dois grupos citados, veremos
a seguir, o lado Makuxi da motivação do topônimo.
Aquilino110, um antigo tuxaua
da maloca, também se refere ao segundo grupo de Makuxi com seus dois principais – Tapaiuna, ‘o dono da terra’ e Kogóbia Piazamba
‘vovó’111 e ‘pajé’.
Entretanto nesta narrativa, contada agora por um makuxi, o Tapaiuna, não
é mais o chefe e sim o dono da terra, assim como Kogóbia significa
literalmente ‘vovó pajé’. O informante acrescenta que esses são os mais antigos moradores da
maloca. Em homenagem a eles, seu casal de filhos levou o nome dos fundadores.
Sobre a origem e motivação do topônimo seu Aquilino conta que esses antigos
mataram um grande tamanduá bravo que
vivia no lugar e matava muita gente chupando o sangue do pescoço. O nome deste
animal em makuxi é tamanoa112.
Assim, os makuxi denominaram a serra onde o animal foi morto de Tamanoa,
com o tempo acabou virando o nome do igarapé, do lago e do lugar, porém sem a primeira sílaba,
restando apenas o termo Manoá.
Nos relatos dos Makuxi de Manoá consta que a grande
maioria tem a sua ascendência dos índios da região das Serras113, situada no extremo norte
do estado de Roraima. Isto aponta, uma migração para o sul, em direção aos
campos do rio Branco. Uma das
causas migratórias, conforme os relatos, tem a sua origem no
confronto interétnico - makuxi versus makuxi e/ou makuxi versus outros.Um
morador antigo nos descreve este fato.
Meus pais sairam da Raposa
por causa dos índios que matavam (Makuxi-Jaricuna), há 100 anos quando meu pai chegou
aqui não tinha
wapixana. Também não havia ninguém morando no Alto Arraia e no Pium.
O pessoal do Pium veio de Moscow (informação verbal)114.
Do mesmo modo que os Makuxi vieram das serras por
causa do perigo dos inimigos, dentro do seu próprio grupo e outros, os
Wapixana vieram do sudoeste115,
como diz Faustino ao citar a maloca de Moscow. Nesta latitude, em função dessas
movimentações, povos Arawak e Karib
passam a conviver em malocas mistas. Na região da Serra da Lua, a maloca de
Manoá é a que melhor representa esta
miscigenação de Makuxi com Wapixana, cunhando-se até um termo para o resultado
desta miscigenação: makuxana116.
Os Wapixana, apesar de terem batizado o topônimo, como
visto na primeira versão, retornam para morar na maloca entre as décadas de
1970 e 80. A maioria dos Wapixana, desta segunda leva, vem da antiga Guiana
Britânica (atual Guiana), principalmente por causa da revolta do Rupununi117 de 1969.
Os que chegam
na década de
1980 vêm pela
estabilidade e certa segurança da terra demarcada, pois a TI de Manoa / Pium, foi a primeira a
ser homologada pelo governo federal. Geraldo Douglas é um exemplo de Wapixana
provindo da Guiana, ele conta que chegou em Manoá, por volta de 1978, sua mãe
veio antes em 1974. Sua principal justificativa por ter migrado foi que os "os
índios do Brasil tem mais assistência do que na Guiana e além disso,
após a 'revolução', os índios perderam muitas terras para os negros
do país" (informação
verbal)118.
A respeito da motivação toponímica de Manoá, seu
Geraldo nos dá uma versão híbrida do nome contada a ele pelo finado tuxaua
Costantino, em que Manauá (Manoá)
vem de mana, ‘arumã’ (do
Makuxi) e wa'u, ‘igarapé’ (do Wapixana). Quer dizer um
hibridismo toponímico entre as duas
línguas. Nesta versão, temos exatamente a realidade etnolingüística da maloca,
expressa em seu nome. Entretanto, se nos atentarmos à primeira versão, de que manawa'u (Igarapé Perigoso) é Wapixana e
aventarmos a hipótese de que esta versão é a que tem mais subsídios históricos,
estaremos diante de um processo de ressemantização do termo.
Assim como Levy Cardoso descreve o processo de
tupinização dos étimos Karib e
Arawak, no caso de Manoá, poderemos estar defronte de um processo
de "makuxinização" de parte do topônimo Wapixana. Visto que, assim
como o grupo tupi fora registrado como um dos maiores no Brasil colonial e tornou-se
língua geral até meados do século XVIII, os makuxi são o
maior grupo étnico de Roraima119.
Uma última versão encontrada para o topônimo é a de um
pastor. Este, ao chegar, perguntou aos
Makuxi o que o nome significava. Como não lhe responderam, o pastor
concluiu que o nome era bíblico, fruto
de Manoá, pai de Sansão. Contudo, supomos ser o topônimo Manoá de origem
Wapixana > manawa'u, o ‘igarapé perigoso’, portanto
um animotopônimo, o único do texto toponímico da RISeL. Sua origem foi o
temido lago que
passou a denominar o igarapé, a serra e finalmente a maloca. Esta translação
toponímica120 chegou até, como vimos, ao nome da
lendária cidade de ouro.
João
Paulo Jeannine Andrade Carneiro
A Morada dos Wapixana
Atlas
Toponímico da Região Indígena da Serra da Lua – RR
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