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domingo, 16 de agosto de 2009

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO CANAIMÉ DE RORAIMA








O canaimé é um ser muito temido dentro das comunidades indígenas de Roraima, as pessoas de outras culturas acreditam que o canaimé é apenas uma lenda que os índios inventaram para amedrontar fazendeiros e outros brancos que moravam perto das malocas, outros dizem que o canaimé é um ser perverso, meio homem, meio bicho que despeja sua ira em cima daqueles que causam algum tipo de mal a natureza, pura falta de informação e pesquisa.  Alguns desses brancos contam que canaimé era um índio vestido com pele de algum animal, geralmente pele de onça que atacava as fazendas para roubar gado, outros dizem que é um indio Justiceiro que castiga outros indios quando fazem o mal. Uma música foi gravada por uma banda local que dizia o seguinte: '' meu boi bonito fui buscar na serra do Sol, o justiceiro implacavél e sem dó, sua lenda é a Glória da tribo ingaricó, é, é o Canaimé , é o canaimé, quando ele chega toda tribo se agita menina com o canaimé, é impossível escapar   da sua sede de justiça do Canaimé''. Há relatos também nos diários de   exploradores como Walter Raleigh, um famoso Corsário Inglês que vivia em  busca do famoso ELDORADO a cidade de Ouro, na fronteira da Guiana Inglesa e o Brasil, ele descreve que quando chegaram na grande montanha cercadas por extensas matas seus guias nativos ficaram com muito medo e  ameaçaram abandoná-lo pois ali naquela montanha era a morada dos CANAIMÃ, como era pronunciado o CANAIMÉ, os nativos descreviam o Canaimé como indios que usavam flechas e zarabatanas envenenadas com venenos de cobras, pintavam seus corpos para confundir seus inimigos e tinham o poder de se tornarem invisíveis, eles relataram ainda que os mais antigos de sua tribo ja haviam travados uma guerra entre as tribos dos Canaimés, eles viam roubar suas mulheres, e eles o descreviam como ``Os homens sem cabeça de olho na barriga``, eles eram canibais que comiam a carne de seus inimigos. Os nativos falavam também da grande montanha TUPUY, a montanha do Diabo era habitada pelos espiritos maus e animais gigantes, principalmente Cobra grande e lá era a grande morada de MAKUNAIMÃ, o deus do mal que transformava seus inimigos em pedra que eles acreditavam ser o pai dos Canaimés, alguns outros aventureiros relataram em suas escritas que expedições inteiras foram dizimadas pelos temidos canaimés, os que escaparam descreviam essas histórias que muitos achavam ser imaginárias e fantasiosas. Henri Coudreau  em 1887, relatou dos antigos habitantes  do setor Norte da Serra da lua, os  ''
aturaiu'', histórias sobre a serra da lua e seus mistérios, onde o mesmo narrava. '' esta serra tem 1500 m de altitude absoluta, ela inspira os atorradis um ar superticioso, a montanha é maldita, não há pessoas lá, ninguém vai caçar, pois eles tem medo, há tribos de Canaimé, os Chiricoumes, des coucoichis''. Trinta  anos depois que o viajante Francês relatou tais fatos sobre a enigmática serra, Koch-Grumberg também ouviu dos indígenas de Roraima que a serra da lua era habitada pelos ''Piscahukó, tribo de canaimé, odiada e temida por todos as outras tribos vizinhas especificamente os seus arqui-inimigos , os Taulipangs e arekuna que consideravam quase todos os falecimentos ocorridos na própria tribo causados pelas bruxarias daqueles''. No entanto, Koch-Grumberg diz que ''todos falam dos Pischaukó, mas ninguém jamais os viu''. Vimos, a partir desses, que a região serra da lua, desde o século XVIII, era tida tanto pelos Europeus, como pelos indígenas, como uma atmosfera repleta de mistérios, ora pelos temidos canaimés, ora, pelas fábulas do lago e da cidade de ouro.  Ao ouvir os relatos das pessoas mais velhas da minha comunidade, pude observar que as histórias, se identificam com os relatos do corsário Walter Raleigh, pois falam desse antigo espiríto do mal que mata os inimigos, é oculto e pratica a maldade. 


Kanaimé como tradição de conhecimento

Todos os viajantes, missionários, pesquisadores e profissionais da saúde que percorreram, visitaram ou viveram na região colecionaram histórias funestas sobre episódios de morte associados pelos índios à ação Kanaimé. Richard Schomburgk, que viajou ao interior da Guiana entre os anos de 1840-44, interpretou o Kanaimé como um inimigo invisível, uma essência demoníaca, bem como em muitos casos uma personalidade individual, configurando a maneira e o método pelo qual os índios satisfazem a sua vingança, um pesadelo opressivo que os persegue a todo o momento, os fazendo fechar a porta no final do dia e acreditar que reconheçam sua presença nos ruídos estranhos da noite. Schomburgk foi preciso ao descrever o caráter pervasivo das preocupações em identificar e prever ataques e como a ideia de Kanaimé impregna toda a paisagem.
Em 1887, o viajante H. Coudreau chegou a lamentar a vulgaridade da insistência dos Wapichana no assunto. No início do século XX, Farabee (1918) classificou a sensação de ameaça constante expressa pelos Wapichana como algo indescritível. Seguindo a linha de interpretação aberta por Koch-Grünberg, Nádia Farage (1997) analisou o fenômeno como furor da vingança que toma o indivíduo e o obriga à ação. Já N. L. Whitehead (2002) usou a expressão poética para sugerir que o sentido da agressão e da morte violenta não pode ser entendido apenas por referência às fundamentações biológicas, funções sociológicas ou necessidades materiais ou ecológicas, mas como uma expressão cultural complexa e fundamental dos povos que vivem nesta região. Expressão entendida em si mesma como algo que envolve necessariamente a

competência de manipulação de signos e símbolos em atos particulares de performances e que envolve formas discursivas de alusão e implicação que são especializadas. Nas próximas páginas proponho uma interpretação baseada na ideia de que a ação Kanaimé pressupõe uma consistente tradição de conhecimento que circula entre diferentes povos nesta região.
É neste sentido que apresento a narrativa abaixo, desenvolvida por Sr. Nazareno, interlocutor a qual me referi no início do capítulo:
O senhor já ouviu falar Kanaimé? Chama Kanaimé. Esse negócio, quem inventou isso foram os Macuxi, aí os Wapichana aprenderam com os Macuxi já. Aí pronto. Os Macuxi que têm isso. Papai, esse meu tio que contava. Wapichana mesmo não era isso, mas aí vai misturando com Macuxi...
Os Macuxi que inventou ele. Eles tinham plantas, as plantinhas deles. Um negócio de planta, que vira planta assim. Ele passa nos olhos dele e nas canelas, nos pés dele e passa assim, virava para outro bicho.
É o Macuxi que sabe. Passa assim, aí vira, aí some. Assim: tu estás bem aqui sentado, quando chega bem perto tu não vê ele não. É só através daquela planta dele. Se pegar aquilo de uma vez, naquela hora que ele está misturado na planta dele e para você matar, na hora não aparece mais nada. Mas pode ver aqui, que é como gente, igual gente, pode dar um tiro nele, ele some duma vez, você procura de novo, cadê ele? Ele não está mais.
Ele já voltou lá com o dono. Então o dono fica no estado daquele, fica mandando dali, esse daí, tipo de gente mesmo, o tipo de gente, é pura gente. Daí você mata ele, mas some de uma vez. Tá! Tá! Pula assim, vira de capivara, vira de não sei o que, vira de onça. Apareceu aqui ó, sumiu. É muito isso.
Eu passei dois anos vendo isso brincando comigo. Até o meu sobrinho não anda mais comigo. Minha mulher ficava chorando, dizendo “Kanaimé vai te matar”. Eu dizia: se vier me matar, eu acabo com ele antes, eu não tenho medo não. Mas rapaz, eu sofri demais. Doeu, doeu, doeu. Era só eu, minha mulher e dois filhos.
Foi assim, Macuxi começou com papai. Eles vinham aqui, era o genro do Macuxi. E vieram com outro cidadão para vender cavalo, e esse cara vendeu o cavalo mais caro. Ninguém queria comprar dele, do baiano. Aí chegou outro e vendeu baratinho. Então ficaram brabos, o sogro dele e o puro Macuxi, chamado kanaimé, porque ninguém comprou o cavalo dele, ficou zangado com papai. Aí falava: “vou mandar, vou matar ele”. Mas valente ele, não vinha, esse cidadão, o fazendeiro, fazia era mostrar.

Daí vinha para saber quem é o João Peixe, o apelido do meu pai. Nome dele João Peixe. Daí encontrou comigo lá na roça [riso tenso]. Eu tinha um rifle 22 e andava com um bocado de cartucho. Caso aparecesse um bicho. Aí encontrou comigo, nem conhecia ele, e perguntou: “onde João Peixe mora?” Rapaz, o João Peixe, eu sei não...
Ele acertou, mas não acertou meu pai, acertou eu. Essas horas eu estava lá voltando do igarapé. “Mas para que tu queria João Peixe?”. Ele respondeu: “Queria saber onde ele está”. Me zanguei logo “mas para quê você quer saber onde está João Peixe”? “Quer saber onde ele está?”.
Acho que ficou com raiva me rondando. Quer saber de uma coisa? Eu larguei no peito dele, pá!
Ele parecia só cara. Aqui só negócio de folha. Aqui tudo enrolado com folhazinha assim, com um bocado de galho de pau, um negócio diferente.
Tem que saber contar, esse negócio de Kanaimé. Isso aí não é gente não, isso aí pode disparar nesse Kanaimé, se ele me pegar, ele me mata. É largar chumbo nele. Vou largar chumbo nele. Mandei bá! Ele pulou assim. Eu pensei: agora sim, agora eu vi Kanaimé!
Era um mato como daqui assim, para sair na mata, ele me cercou lá quase saindo do mato, daí depois da roça. Mas daí eu corri, corria, outro queria me fechar e eu pá! Mandei de novo nem sei se o chumbo pegou. Dei uma carreira, e pensava: “não sei se o chumbo pegou”, entrei lá no igarapé.
Quando cheguei aqui, fui tomar banho, aí deu febre, febre, febre. E eu fiquei falando, eu estava aqui falando à toa, ninguém sabia mais. Eu fiquei falando, com uma febre doida, nesse dia eu até caguei na minha rede, não tinha vergonha de contar não. Com três dias eu fiquei ruim. Papai me perguntou e eu contei para ele que Kanaimé estava lá.
Ele disse: “vai te matar”.
Uma cara dele diferente da gente, tudo enrolado com um chapeuzinho, não sei o que era. A cara dele toda pintada assim. Por isso que eu abri chumbo, eu falei para ele. E ele disse: “não meu filho, você agora não vai sair sozinho mais não”.
Eu peguei um cavalo, ia atravessar esses igarapés, ele me cercava. Eu levava bala de 22, mirava nele e não acertava. Uma febre de novo, cinco vezes. Cinco vezes que deu febre, depois de cinco vezes não dava mais certo, você podia matar ele que não adiantava. O velho me contou: “o que mata é o dono”.
Um velho me contou, “o que você acertou foi só a planta dele. O dono fica longe”. De longe esse é gente mesmo e esse é que está mandando. Aqui você atira nele, ele corre lá e ele sai. Isso some lá e volta de novo. É assim a plantinha do Kanaimé. Isso começou foi agora e só vai acabando com Wapichana de novo.  

Não podia matar ele. Eu não sabia. Mas tem um velho que contou: Isso é gente que diz que está matando. Diz que se você atira, ele corre lá, o outro sai. Esse daí some lá e volta aqui de novo. É assim o Kanaimé. Isso que chama Kanaimé, só é coisa de Macuxi. Tem raiva do Wapichana esse Macuxi.
Tem muito aí, tem muito aqui na Guiana, aí perto na Serra de Lethem. Lá que tu vê. Uma vez eu trabalhei nove meses lá perto. A gente ouvia ele assoviando, basta estar perto, era própria gente mesmo, só que Macuxi. Esse é que chama Kanaimé.
Agora tem uns pajés, tem muito tipo de pajé. Agora tem tudo, só para estragar gente. Não é para curar gente não, antigamente pajé bom de doença: bate folha e cura que amanhã você estava bonzinho, agora não tem mais.
Agora tinha um velhinho que mora aqui, lá naquele igarapé ali, Jacamim. Antes de sete horas, até cinco horas da manhã, batia folha e até meio dia você já estava curado. Esse que chama pajé. E agora tu passa um mês “curado” que não se levanta.
Eu me lembro bem dos pajés antigos. Batia folha, levanta e sai andando já. Agora o pajé diz que bate folha, não bate não. Vai é acabando com gente. Tem algum que... tem uma porção para estragar gente, aí na Guiana tem demais.
É o próprio Wapichana, mas foi ensinado pelo Macuxi. Aprendeu lá do Macuxi, que ensina ele. Aí vira para outra coisa. Ele come aquela planta, ele sozinho. Come e machuca mastiga e esfrega a planta por aqui, e bota um pouquinho. O dono fica lá longe e aqui é que vem aqui.
Isso que eu vi rapaz, que era assim cedo.
“Psiu”, vieram me pegar no meu pé, bicho ligeiro, é ligeiro, quando tu olha aqui, está bem aqui já. [assobio].
Assim que identifica. Nem os meus irmãos não conhecem.
Depois veio um velhinho me curar. Tu sabe que... esse pajé, não sei se ele estava pelejando, treinando. Pedi duas vezes. Ele chegou: “Oh meu filho, que tu tem? Queria acabar com isso? Então prepara isso para mim”. Todo esse tempo desapareceu, passou uma semana, um mês, ele apareceu: “Não meu filho, vou fazer remédio.” Ele mora pra cá. Eu sempre ia com ele, ele que me curava quando eu estava doente. Mas outra doença.
“Isso daí chama-se Kanaimé. É, tem remédio que passa, eu faço meu filho...” Ele falou para mim, esse velhinho, puro Macuxi, só fala macuxi mesmo e português.
“Não meu filho, vou fazer remédio, vou lá com a Rosário e depois eu trago o remédio para você tomar”.
Diz que foi lá com a mulher dele, tirou o cabelo da beirinha da vagina da mulher, queimou, botou dentro de uma garrafinha, dum vidrinho assim, aí

misturou, ai quando ele chegou aqui, só com um copinho assim e disse: “Toma isso aqui”. Depois deu assim: “toma e nunca mais você vai ver”. Era ruim... igual cabelo queimado. Mas nunca mais vi Kanaimé. Ando muito, ando sozinho, de noite, já está com mais de 30 anos e nunca vi mais, até agora. (Sr. Nazareno. Jacamim 2011).
O senhor já ouviu falar kanaimé? A entonação da voz com que a pergunta é geralmente feita a uma pessoa de fora pode parecer uma forma deliberada de amedrontar estranhos com aspectos que marcam a paisagem indígena com histórias sobre agressões violentas mediadas pela feitiçaria. Em certo nível, o discurso sobre kanaimé pode ser visto como uma forma que os povos da região encontraram para manter vizinhos fazendeiros e outros brancos longe de seus espaços de vida, apesar de muitas pessoas afirmarem que Kanaimé não ataca os brancos. Fazendeiros também fazem uso da figura. Na estrada entre a cidade de Boa Vista e a TI Malacacheta é impossível não notar a fachada portentosa de uma propriedade rural que tem uma placa com o nome de Kanaimé, acompanhado de um subtítulo “cuidado com o rabudo!”
Assim como os demais povos da região, em certo sentido, os Wapichana chamam por Kanaimé os outros povos que consideram brabos. Outros povos ou indivíduos provenientes de aldeias distantes são aqueles sobre os quais mais provavelmente se pesa a acusação de Kanaimé. “Rabudo”, sinônimo de Kanaimé é uma alusão à selvageria. Os Wapichana também usam a expressão em sentido metafórico, para apelidar Kanaimé às crianças teimosas, bem como para descrever uma concepção do contato interétnico e da invasão territorial que viveram (FOSTER, 1993). Na linha de interpretação do fato Kanaimé como expressão da vingança se inscreve a análise oferecida por Farage: “em acepção lata, os Wapichana consideram Kanaimé todo agente de morte: panaokarunao, em particular panaokarunao das serras, os mais perigosos, que atualmente matam os viventes; todo homem que se dedica à vingança.” (FARAGE, 1997, p.111).
Associado à guerra e à feitiçaria, o fato Kanaimé foi interpretado pela literatura etnográfica regional como mecanismo de demarcação de fronteiras de grupo. Kanaimé seria referência ao outro, ao inimigo, ao predador. T. Koch-Grünberg ofereceu uma interpretação ao conceito como o furor da vingança, o sentimento que assola o homem e o obriga à ação. Um homem pode tomar a decisão de se tornar um Kanaimé, uma vez

esgotados outros meios de obter a vingança. Aqueles que tomam essa decisão abandonam suas famílias e seus amigos e devotam sua vida e energia à realização de sua finalidade. Depois de concretizar o projeto de vingança, os Kanaimés podem se voltar contra pessoas inocentes. Alimentam-se de certas substâncias que têm a potência de torná-los invisíveis. Por esta razão, sua atuação se evidencia apenas a posteriori, pelas marcas roxas que deixa no corpo da vítima.
Como um um fenômeno regional, o fato Kanaimé é conhecido e sofrido por vários povos da região circum-Roraima e, portanto, parte do repertório de todos eles. Kanaimé, canaemé, kanaimé, kanaima é um termo recorrente na literatura etnográfica guianense, sobretudo a partir do século XIX, para descrever um modo ritual de ataques, mutilações, assassinatos e seus praticantes. O termo também alude à ideia mais difusa sobre atividades espirituais malignas, existentes desde o início dos tempos, que consome os assassinos. Pervasivo e profundo, o discurso sobre Kanaimé dramatiza a condição humana e reflete sobre a ética, configurando um fato central na vida dos povos da região. Como um conceito Kanaimé é utilizado em vários níveis de significação, referindo-se às dinâmicas do mundo espiritual, às agressões físicas sofridas por indivíduos, às tensões entre aldeias e famílias, e motivo de suspeitas de estrangeiros de um modo geral. Na visão dos Wapichana, como se percebe na leitura da narrativa, ganha uma identidade de origem: Macuxi, e uma territorialidade – a fronteira nacional entre Brasil e Guiana.
Uma característica marcante do universo Kanaimé é o fato de envolver uma combinação entre um modo de ação ritual e um ataque xamânico violento como prelúdio ou parte do ataque físico. Como discute Neil L. Whitehead (2002) é impossível determinar a origem temporal do Kanaimé, pois o que se tem são relatos que remetem ao menos duzentos anos de sua prática e interpretação, produzidos por fontes coloniais, textos antropológicos e literários. As referências escritas sobre Kanaimé aparecem nas fontes europeias a partir do século XIX, em um quadro de informações coloniais, como um modo de ação militar colocado em prática em excursões de comércio e invasões predatórias pelos Akawaio, povo Carib habitante da área de montanhas situadas na região ocidental da Guiana e que vivem ao longo do rio Mazaruni e seus afluentes, fazendo vizinhança contra os Macuxi e os Patamuna.

De acordo com os registros coloniais, este povo realizava expedições de longa distância e abriam guerra contra diferentes grupos habitantes das montanhas utilizando o expediente de ataques noturnos, quando escondiam a fraqueza de seu número e espalhavam o terror através de atividades chamadas Kanaimé. Haveria surgido neste contexto uma definição de Kanaimé como aquele a quem os índios atribuem todos os males, doenças e mortes. Um tipo de inimigo vingador que não descansa enquanto não matar suas vítimas, geralmente por envenenamento, sua arma particular. Esta definição precedeu os principais elementos do universo Kanaimé e das subsequentes abordagens desde o século XIX aos dias atuais.
Whitehead (2002; 2004) estudou o fenômeno Kanaimé entre os Patamuna e Macuxi que vivem na região das montanhas de Pacaraima, na Guiana. Para analisar os discursos e narrativas indígenas sobre o universo Kanaimé, o antropólogo trabalhou diretamente com assassinos e com famílias das vítimas. Em “Dark Shamans. Kanaimà and the poetics of violent death”, Whitehead (2002) aborda como a presença do complexo Kanaimé foi representando por escritos coloniais, antropológicos e literários, passando por uma descrição do ritual kanaimé, das guerras xamânicas entre os complexos xamânicos regionais (kanaimé, piya e profetas do alleluia), além das campanhas de terror colocadas em prática pelo Estado guianense com base no universo kanaimé (WHITEHEAD & VIDAL, 2004). Whitehead também demonstra como a violência kanaimé, como uma expressão cultural dos povos indígenas é mimeticamente associada à violência das ondas de desenvolvimento econômico e político na região, como no caso da fronteira da mineração e seus efeitos nas práticas de Kanaimé entre os Patamuna.
O relato do Sr. Nazareno acima apresentado começa subscrevendo uma percepção amplamente compartilhada pelos Wapichana (e também pelos Patamuna) quanto ao Kanaimé como uma tradição de conhecimento de origem Macuxi. A incorporação das práticas Kanaimé é vista entre os Wapichana como resultado dos intercâmbios provenientes da mistura com os Macuxi. Esta visão pode ser tomada como expressão de modo de reafirmar a diferenciação étnica entre os povos da região. Mas por outro lado, abordar a historicidade da prática Kanaimé presente na narrativa indígena pode nos abrir caminhos para analisar como se constroem as rotas de

transmissão de saberes especializados e a incorporação de tradições de conhecimento em idiomas que articulam identidades e territorialidades.
Whitehead cogita a hipótese de que, do mesmo modo que o alleluia foi inventado pelo complexo xamânico Macuxi diante de um novo contexto de evangelização - no qual os povos indígenas articularam seus conhecimentos mágico-religiosos à doutrina trazida por missionários anglicanos criando um novo ritual a partir do encontro de um profeta Macuxi com Deus - pode ser que os xamãs Macuxi tenham elaborado os elementos rituais e mágicos do complexo Kanaimé. A base para formulação desta hipótese é a ligação histórica entre o fato Kanaimé, o advento das armas de fogo na região e a situação em que os Macuxi também foram incessantemente predados por outros povos, especialmente os Karinya. Nessa acepção, Kanaimé pode ter emergido como uma técnica defensiva frente à nova força militar esmagadora, bem como uma forma de responder a novas situações do contato.
Uma pessoa percebe que pode ser vítima eminente de um ataque Kanaimé através de determinados sinais evidenciados em casa, durante a noite. Pode ser o chamado de alguma ave de hábitos noturnos como uma coruja ou um curiango. Um som de assovio, um movimento ao longo da base das paredes da casa, ou, se uma janela ou rachadura na parede é deixada em aberto, pode-se sentir um ligeiro puxar das cordas de sua rede. O sinal indubitável que tais insinuações são sérias é a presença invariável de uma ou mais cobras venenosas dentro de casa na manhã seguinte. “Esse ai não tem negócio de porta, eles passam por ai. Só que ele entra por aqui, negócio de virar morcego, virar um rato, virar uma chuvinha. Eu via isso dentro de casa.”, me explicou Sr. Nazareno.
Apesar destes sinais iniciais, entretanto, os ataques Kanaimé geralmente não são antecipados e ocorrem, como descreve nosso narrador, quando uma pessoa está sozinha em uma roça ou andando só por um caminho. A certa distância do observador, um pequeno arbusto ou planta ao longo da trilha pode começar a balançar ou sacudir de um modo contrário aos movimentos normais causadas pelo vento. Kanaimé pode aparecer para a vítima diretamente em um destes caminhos ou roçados, como um homem, na mata como uma onça ou como um tamanduá na savana. Esta figura tem a potência de aparecer a certa distância e, rapidamente, surgir bem próxima ou até mesmo atrás da pessoa.

Depois destes sinais, um ataque físico direto e mais completo pode acontecer a qualquer momento ou até mesmo anos depois. Durante este período de perseguição os Kanaimé utilizam técnicas de caça seguindo as pegadas e os rastros da vítima pelos caminhos e também usam técnicas de encantação e sopro ritual, que os permitem ocultar a identidade física e realizar movimentos extremamente rápidos. Como os humanos, Kanaimés geralmente caçam em grupos e, também como os humanos, caçam para produzir a sua comida.
Nesse sentido, Kanaimé consiste primordialmente em um modo de fazer. A ação não se anuncia e apenas se reconhece a posteriori pelas marcas que deixa no corpo da vítima. Em um ataque não fatal a vítima pode ter ossos quebrados, especialmente os dedos, bem como ter luxações nas articulações e nos ombros. O pescoço também pode ser manipulado de forma a induzir algum tipo de lesão espinhal e provocar dor nas costas. O objetivo aqui parece ser o de incutir na vítima uma quietude ou passividade que as torna menos resistente a outros ataques. Por conseguinte, este tipo de ataque é geralmente considerado como sendo apenas uma preliminar para a mutilação real e a morte. A maioria das vítimas se recupera de tais agressões, mas é um processo humilhante e doloroso, podendo produzir complicações físicas no longo prazo. Como parece ser a intenção do ataque primário, as vitimas passam a sofrer o estresse de estar cientes que o algoz as conhece e que ele irá revisitá-las para finalizar sua agressão fatal.
Os ataques definitivos são destinados a produzir comida ritual, e são extremamente violentos. O ideal é a vítima confrontar-se com um único Kanaimé e em seguida, ser atingida por trás e fisicamente contida pelos outros, se já não estiver inconsciente depois do primeiro golpe. A vítima é tratada com um pó feito a partir de plantas adstringentes, sua língua é perfurada utilizando as presas de uma cobra venenosa, ou, às vezes, uma lasca de madeira greenheart. Um rabo de iguana ou de tatu é empurrado em seu reto e os músculos do ânus retirados por meio de fricção vigorosa.
A marca definitiva da morte por Kanaimé é a violação da genitália ou aparelho excretor e a introdução de folhas, raízes e até objetos de metal no lugar das entranhas da vítima. Um resultado é que o pescoço e os membros do corpo do morto ficam moles, ao invés da esperada rigidez cadavérica. Os mortos por Kanaimé apresentam a língua perfurada e às vezes também os pés, além de marcas roxas por todo o corpo. A inserção de ervas pelo ânus tem por objetivo dar início a um processo de autodigestão, criando o

aroma especial de Kanaimé. Para as vítimas, o cheiro doce de abacaxi é um sinal de ataque Kanaimé, já para os assassinos, esse odor é o rastro que seguem atraídos pela “comida” produzida em seus corpos, após o enterro. Como as vítimas ficam sem condições de falar, de beber água e perdem o controle intestinal, nos procedimentos médicos a causa clínica das mortes é geralmente dada como desidratação aguda por diarreia.
Mas o ritual entre Kanaimé e sua vítima não termina com a morte. Como a finalidade de matar não é o desaparecimento da pessoa, mas a produção ritual do corpo como alimento, os Kanaimé vão tentar descobrir o lugar onde sua vítima foi enterrada e aguardar o início do cheiro de putrefação do cadáver, o que geralmente ocorre dentro de três dias. Durante este período os Kanaimé entendem-se magicamente vulneráveis. Como eles tentam, literalmente, cheirar os primeiros estágios de putrefação, podem ser interceptados e mortos pelos parentes do morto. Alguns tipos de proteção mágica podem ser realizados para evitar que o Kanaimé revisite o cadáver, uma delas é a colocação de uma armadilha de caça sobre a sepultura e a utilização de substâncias repelentes como pimentas, gasolina ou venenos de pesca. Muitas vezes os parentes tentam esconder o cadáver em uma rocha e cobrir o túmulo com grandes pedregulhos ou em um recipiente selado de cerâmica, mantendo em segredo o local. Quando os Kanaimés não conseguem descobrir a localização do corpo ou são impedidos de devorar o cadáver da vítima, eles ficam quentes, isto é, loucos, enfurecidos, e seus avatares animais zanzam enlouquecidos pelo campo, identificados sobretudo na forma de tamanduás.
Quando a sepultura é descoberta, uma vara é inserida através do chão diretamente até o cadáver e um líquido é sugado. Os sucos de putrefação são descritos como mel por causa de sua doçura e o canudo é usado por Kanaimés para explicar este momento chave: o de tamanduás lamberem e chuparem formigas, ou de plantas sugando a comida através de suas raízes. O modo pelo qual a comida é produzida, e não a morte do individuo, é simbolicamente central para a ação ritual do Kanaimé. Nesta acepção, o Kanaimé não vai comer comida humana após uma morte. O que ele prova no túmulo é uma espécie de comida “divina”. Na verdade, ele precisa consumir o suco para expurgar as forças divinas perigosas que estão dentro de si representadas como emissários espirituais, fazendo com que retornem ao ser humano atingido.

O suco também é retratado como um presente dos assassinos adeptos de Kanaimé, que oferecem sua presa como uma oferta para o xamã, que é quem os leva e dirige seus ataques. Estes presentes da morte dos Kanaimés para seus xamãs são parte das trocas intermináveis entre os animais divinos e humanos mundanos sob o disfarce de caçador e presa. É esta relação que o Kanaimé alega para sustentar sua posição de acesso especial à Makunaima, o criador supremo de todos os animais e plantas, que é quem tem o papel fundamental na criação e gestão da inter-relação predatória entre humanidade, animalidade e a divindade através da magia. É por esta razão que Kanaimé é fonte de poderosas técnicas xamânicas.
Entre os Wapichana, Kanaimé apresenta similaridades com as características que acabamos de descrever. O primeiro ponto é que os Kanaimés são reconhecidamente adeptos de uso de plantas. Estas plantas são ingredientes de venenos, mas também são as plantas que os Kanaimés mastigam e esfregam em si mesmos e que assim os permite o poder extraordinário de movimento. O perigoso controle destas plantas é a técnica xamânica chave para os ataques e algumas imagens de assassinatos e mortes associam-se à nutrição destas plantas.

Agência das plantas: transmissão e circulação da tradição

O uso de plantas possuidoras de magia é altamente difundido nas Guianas e constitui um elemento central em diferentes complexos xamânicos que operam na região. Como sintetizou Nancy Foster (1993), a palavra Kanaimé refere-se ao menos a três coisas entre os Wapichana: a uma planta; uma pessoa conjectural que ataca sua vítima com a planta; e o fenômeno geral da morte atribuída ao comportamento extremamente antissocial.
A lógica utilizada pelos Wapichana para classificar as plantas é um ponto privilegiado de análise do universo do conhecimento esotérico e sua distribuição espacial é uma característica marcante na forma como expressam classificações do território. O sistema Wapichana de classificação botânica é baseado na capacidade humana de interferência e domínio frente às plantas e compreende três grandes categorias. Uma categoria - karammakao - correspondente àquelas plantas que estão na mata e são selvagens; a segunda categoria, quase oposta à primeira, é denominada

wapaoribao – que são as plantas domesticadas e cultivadas na roça. A terceira categoria, denominada wapananinao complexifica este modelo pois trata-se de uma qualidade de plantas que escapam à esfera do cultivo, sem no entanto, pertencerem à classe de plantas que estão na mata. As wapananinao distinguem-se das demais categorias pelo fato de serem consideradas possuidoras de magia, não apenas porque são veículos para fórmulas mágicas, mas porque são elas mesmas geradoras de magia, constituindo, para os Wapichana, “o epicentro do conhecimento esotérico, alto segredo ciosamente guardado da curiosidade de estranhos” (FARAGE, 1997, p. 73). A posse e uso destas plantas não devem ser de conhecimento público. Se perguntadas diretamente, as pessoas invariavelmente negam possuir tais plantas.
As wapananinao são, em sua maioria, plantas das famílias Ciperaceae e Cactaceae, mas o catálogo é aberto a novas inscrições geralmente feitas por testes de aplicação. Brotam no inverno, quando é possível ouvir seus assovios, e secam no verão. Sr. Nazareno explicou que uma das plantas usadas por Kanaimé é igual cebola, um redondo assim, igual cebolinha mesmo. Perguntei-lhe pelo nome em wapichana e ele respondeu: Kusup,é kusup é aquilo tudinho redondo assim, o que o dicionário da língua explica ser o Tajá, planta também conhecida na Amazônia de modo geral como tinhorão, muito cultivada em jardins e reconhecida por suas propriedades medicinais.
Com efeito, a distinção das plantas wapananinao em relação às demais categorias se expressa espacialmente pelo fato de serem cultivadas exclusivamente nos terreiros das casas. Geralmente, o lugar das wapananinao no terreiro é um canto discreto e protegido por estacas que lhes protegem a identidade aos olhos de estranhos. Estas plantas têm origem incerta. Uma das possíveis indicações de sua origem diz que estas plantas surgiram das cinzas da cobra - “oropiro”, que habita os altos montes no vale do Rupununi. Os homens as teriam encontrado e aprendido a utilizá-las por método tentativo, tendo surgido assim magias de caça e de pesca.
Trabalhando com a questão de onde surgiram estas plantas, Farage assinala uma propriedade fundamental das wapananinao: tal como os humanos, estas plantas possuem uma alma, princípio que lhes confere intenção e vontade. Neste ponto encontra-se a diferença radical em relação às outras categorias botânicas: plantas wapananinao não se cultivam, elas vivem junto daqueles que delas melhor cuidam. Insatisfeitas com os cuidados que lhes são dispensados, elas podem mudar-se de lugar, o

que é atestado pela aparente morte da planta. Enfurecidas, elas também podem voltar-se contra o dono e inclusive matá-lo.
Sua posse e uso variam conforme o sexo e a especialização. Homens e mulheres desenvolvem usos diversos destas plantas e o conhecimento de um e outro não é passível de intercâmbio entre os sexos - sob a pena de perda da eficácia. O principal meio de circulação destas plantas é a troca, sistema no qual são itens extremamente valorizados. A venda é considerada reprovável, além de ineficaz. Objeto de venda as wapananinao podem ficar aborrecidas, recusam-se a seguir os novos possuidores e se voltam em vingança contra aqueles que as comercializaram. Podem ser também herdadas de consanguíneos e cônjuges, como no caso de Maria, uma especialista que vivia na comunidade Canauanim e relatou a Farage que seu primeiro marido, um xamã Macuxi da aldeia Napoleão a dizia sempre que, quando morresse, deixaria com ela suas plantas, para torná-la xamã. Por possuírem, como os humanos, uma alma, as wapananinao também possuem a potência da fala, o que torna possível a comunicação entre elas e seus “donos”. Após a morte do marido, as wapananinao passaram a pressionar Maria para que as deixasse cantar, pediam para tomar tabaco e para bater folha.
Os cuidados dispensados as wapananinao envolvem principalmente o fornecimento de tabaco, através de infusão, fumaça ou mesmo esparramado o fumo sobre a terra. A fumaça soprada é altamente apreciada pelas wapananinao. Através da defumação do tubérculo, o dono conversa com a planta, que nas sessões terapêuticas, lhes contam quais são as doenças, quais são os remédios. Como resumem os Wapichana, tabaco é o caxiri de wapananinao, sem o qual elas não trabalham.
Indivíduos comuns utilizam estas plantas de forma laica, em torno de projetos e empresas para garantir o próprio sucesso e dos cães nas atividades de caça, usam também na pesca, na agricultura e no amor. Como vimos, os xamãs fazem uso potenciado destas plantas, o que faz crer que estes especialistas possuem plantas mais poderosas que aquelas utilizadas por indivíduos comuns. Segundo Farage, dois epítetos aparentemente contraditórios qualificam a relação entre humanos e as wapananinao. De um lado, as wapananinao são referidas como xerimbabos do marinao (criando espaço para o aspecto da planta como animal de estimação) e de outro são ditas como filhos do xamã (criando a imagem de que as relações estabelecidas com plantas mágicas  

preconizam o zelo, o cuidado e o respeito mútuo que pautam as relações entre pais e filhos). Por fim, Marinaokanu são cantos de plantas wapananinao que o xamã guarda em si e que já se mesclaram à sua própria natureza.
Encontramos nesta relação entre humanos e esta qualidade específica de plantas um ponto crucial na diferença entre as atividades xamânicas curativas e agressivas. Assim como as crianças, as plantas mágicas pressupõem relações ativas e recíprocas, que envolvem o ensinamento como forma privilegiada de zelo. Como as crianças, as wapananinao também detêm o potencial de fala, que deve ser desenvolvido. A diferença entre uma utilização laica e uma especializada é traçada pelo ato de ensinar as plantas a cantar, potencialidade ativada pela alimentação com tabaco. Mas se a alimentação com tabaco é um ativador da magia da planta, que a permite, através do canto, falar aos humanos sobre doenças e curas, a alimentação com sangue é outro poderoso ativador de suas forças, seja de cura, de caça ou de vingança.
É neste sentido que se explicam aqueles que “estragam” suas plantas oferecendo-lhes sangue para lançá-las à vingança e à devoração dos humanos – convergindo para o que os Wapichana designam por Kanaimé. Uma vez que já experimentaram o sabor do sangue, estas plantas o vão querer sempre. Carne e sangue de caça então devem lhe ser oferecidas com regularidade, caso contrário, as plantas podem se enfurecer e atacar aqueles que delas cuidam. Não são raros os casos de homens que foram mortos por suas plantas depois de negligenciarem alimentação de caça. Sangue e tabaco, portanto, refinam a arte do canto, ao mesmo tempo em que desatam a virtualidade animal e humana das plantas wapananinao. Em resumo, as plantas wapananinao são aquilo que seu cuidado faz delas.
Elemento central no universo do xamanismo, encontramos nas plantas ambiguidade equivalente ao status do xamã. Depois da narrativa de sua experiência com Kanaimé, Sr. Nazareno resumiu a dubiedade que marca a vida dos especialistas:
Está difícil para gente achar... só com ele, só se usa com o Kanaimé mesmo, isso daí. Esse velhinho contava muita história para mim assim também, vida de pajé, vida de Kanaimé.
Ele dizia: “Você vai ver depois, não vai ter nem um pajé bom, vai ter só que estraga gente”. E agora, cadê? Só para estragar gente mesmo. Por isso que não tem mais doutor tradicional aqui. Não tem mais, acabou. Só tem ruim,  

para estragar a gente, igual macumbeiro velho, macumbeiro só engana a gente não é?
É assim agora, já viu pajé acender vela assim, um tanto assim? dizendo: “amanhã você está bom”. Hum...? Está aqui o dinheiro. Você paga para ele e amanhã você vai ficar pior.
É interessante observar como a crítica moral elaborada por Sr. Nazareno é apoiada em um fundamento técnico. Um ponto ressaltado por Sr. Nazareno é a diferença entre as técnicas xamânicas como critério na distinção entre o pajé bom (marinao/rezador) e o pajé ruim (chanaminuru) que faz Kanaimé. A avaliação de que hoje não existe mais pajé bom na região também é feita no domínio da técnica. Segundo Sr. Nazareno, a presença de velas é o indicador mais evidente de que a tradição de conhecimento está sendo alterada pela incorporação de elementos de outras tradições, como a “macumba”.
As plantas e o uso que se faz dela são critérios para definir a essência do trabalho do marinao, que é bater folhas no escuro durante as sessões de cura, enquanto o segundo tipo de especialista, o chanaminuru, manipula e manda sua planta atacar os outros, estragar as pessoas. Em situações de crise, como a que ocorria em Canauanim durante os primeiros meses da minha pesquisa de campo, junto às acusações pelas mortes contra um grupo familiar que havia chegado recentemente da Guiana, era presente a opinião de que as plantas do terreiro da casa daquela família deveriam ser arrancadas para evitar que elas mudassem de casa e continuassem a praticar as mortes, enquanto comentavam paralelamente que de nada adiantava arrancar as plantas, pois elas já teriam se transferido para as casas de outras pessoas da própria comunidade que já tinham estabelecido convivência com os recém-chegados do país vizinho. Esta é uma história recorrente na região Serra da Lua. Sr. Nazareno também relatou o episódio de uma morte de um Kanaimé há alguns anos na comunidade.
Uma vez, tinha era o pajé aqui, não sei de onde ele saiu, saiu aqui [...] Ele estava querendo matar meu filho, querendo matar meu pai, eu falei comigo mesmo: “Tenho raiva desse Kanaimé aí, verdadeira. Pode passar tudo, não gosto desse Kanaimé não”. Comigo pode mostrar o Kanaimé: “ele mora ali”, eu ia lá e pegava ele. Ele não me viu. Ele queria pular para mim, eu conheço.  

“Por que o senhor não chama a polícia, a FUNAI?” Perguntaram. A polícia, a FUNAI para matar Kanaimé? Pessoal da FUNAI sabe lá de Kanaimé? Isso daqui, acha que basta jogar ele dentro da água, amarrar pedra no pescoço, você imagina?
Isso daí não é branco não. Eu estou falando para vocês. Rapaz só ficava me olhando: “está bom, está certo” O pessoal não tinha coragem de jogar ele dentro do poço. E aqui a polícia é vocês mesmo, vocês são índios, para que vão chamar a polícia? O tuxaua chamou a polícia. Eu peguei ele na marra mesmo. - A polícia são vocês mesmo. E o tuxaua veio aqui, porque fui eu que peguei ele. Peguei na marra mesmo. Peguei bem na roupa dele para ele morrer. Trouxe ele até lá na casa do tuxaua, depois ele vai sumir.
A: E como você acabou com ele?
N: Eu, matar? Eu mandei ele se enforcar, porque é Kanaimé, porque eu falei: “você é Kanaimé, você vai morrer hoje”.
A: Ele mesmo se matou?
N: Ele mesmo. Daí o tuxaua disse... Só nós conhecidos mesmos, está bom. Acabou com ele, acabou com a doença.
Você levava lá para o outro pajé, e ele dizia: é esse que está matando lá: Damashi que estava matando. Damashi, em wapichana. Ele Damásio. Bichinho valente mesmo, e ruim. Estava triste lá. Eles pegavam e soltavam ele, (clap, clap), ficava batendo palma. Pegava ele, o primo do meu pai, mora aqui, matou tudo, o bicho ficava pulando ouvia o clap, clap: “mexe comigo para tu ver.”
Mandei outro meu irmão dar uma rebentada... Contou tudo, aí mostrou esse, o cara com as plantas. Olha as plantas aí... Mas tem um cara, outro que convive junto com ele. Agora, ele ficou com as plantas dele. A planta dele que é o ruim. Esse Damásio.
Já falei com esse pessoal que esse pajé não presta, vem fugindo lá do outro lado... conheci lá perto de Lethem, ele surgiu pra cá para sacanear com os outros.
Ele era da Guiana. Ele por isso chegou aqui, porque mora aqui, foi criado aqui. Esse cidadão aqui, o cara veio fugindo, como um bocado aí. Vocês são moles... pior que mamão. Você vai ver, se você correr atrás também depois, você vai ver. Isso aí é que acontece com pajé ruim.
Porque tem que ser para gente morar bem, não é? Acabando com os outros com o próprio vizinho... Tem muita gente ruim...
Dentro da tradição, os Kanaimés podem ser mortos publicamente (MUSSOLINI, 1980). A casa do grupo familiar pode ser derrubada e as plantas arrancadas. No início 165

do século XX, Farabee já observava a influência da “legislação dos brancos” na supressão destes assassinatos e o desespero dos Wapichana por não poderem eliminar os maus pajés. O pesquisador registrou o descontentamento dos moradores com a interferência que os tinha deixado desarmados contra as ações destes assassinos. Segundo G. Mussolini, a influência dos brancos, sobretudo dos missionários reduziu ao mínimo o hábito de realizarem as ordens do marinao em sua plenitude, mas até o momento de seus estudos, assassinatos foram executados à risca. No episódio ocorrido alguns anos na comunidade Jacamim, Sr Nazareno conta que mesmo depois de o indivíduo ter se enforcado publicamente, o Kanaimé não teria morrido. Na verdade, ele já havia passado para outro domínio, através das plantas, porque outra pessoa que convivia com o Kanaimé ficou com as plantas dele, e, como ele sintetiza: a planta dele que é o ruim.

Nos contaram os antigos da comunidade Canauanim (minha avó Júlia Solon, meus tios Lourival Solon e Zé neve) que o Canaimé é um homem, normal como qualquer outro, porém ele usa uma planta que lhe dar poderes  capaz de se transformar em várias formas diferentes de animais (porco, cachorro, tamanduá, cutia, veado,macaco e etc..), por isso dentro das aldeias é mais conhecido como rabudo, mas ele também pode se transformar em bichos que voam, como morcego, coruja (rasga mortalha) geralmente aqueles que vagam na noite. Minha avó Júlia Solon me contou antes de morrer que um antigo pajé chamado Joaquim bonitim (essa era a pronuncia usada), lhe contou que o canaimé sempre existiu, é um ser milenar, que eles são os espíritos dos antigos pajés mal que morreram e não conseguiram subir para céu ficaram vagando sem rumo, e foram morar nas serras e seus espíritos adormecem em uma planta que tem o nome de TAJÁ,  essas plantas foram encontradas um dia por um feiticeiro Ingaricó que usou para fazer sua magia e perseguir seus inimigos. O Tajá precisa ser alimentado com sangue e carne putreficada de humanos e quando o dono não cuida dele direito, ele come o próprio dono, ou seus familiares, filhos, mulheres etc.  Quem tem essa planta adquiri poderes sobre naturais e é capaz de se tornar invisível, só pajé é capaz de vê-lo, mas há relatos de que os Canaimés mataram muitos pajés no passado. Joaquim bonitim também disse a minha avó que existe uma serra chamada Kuando Kuando que lá existiu uma tribo grande de Kanaimé que se reproduziu e eles foram usados pelos Macuxis numa guerra tribal contra os Wapichanas, quando esses migravam da Guiana Inglesa para o Brasil, fugindo da perseguição Portuguesa pelo rio branco, ao mesmo tempo que os Indios Macuxis também fugiam da perseguição Espanhola no Caribe na Venezuela, pelo rio Orinoco, isso aconteceu no Século XVIII, segundo o professor historiador da Universidade Federal de Roraima Dr. Jacir Guilherme Vieira.Os macuxis tinham uma grande habilidade guerreira, enquantos os Wapixanas não tinham essas práticas e talvez pela falta de comunicação, pois os macuxis falavam uma língua que era incompreensível para os wapixanas a guerra aconteceu, guerra que alguns historiadores classificam como conflitos inter-étnicos, mas o Antrópologo Alemão Koch-Grumberg encontrou uma rica prosa entre os taurepangs, e macuxi do Surumú e Cotingo relatando Guerras sangrentas entre Wapixanas e Macuxis (KOCH GRUMBERG, 2006, PAG. 21), além de histórias incrívéis sobre o lendário Canaimé. Koch (1917) diz que ''O conceito de kanaimé desempenha um papel muito importante na vida desses indios. Designa, de certo modo, o princípio do mau, tudo que é sinistro e prejudica o homem e de que ele mal consegue se proteger, o vingador da morte, que persegue o inimigo anos a fio até matá-lo traiçoeiramente, esse ''faz kanaimé.'' Nessa guerra os wapichanas quase foram todos dizimados, mas conseguiram fugir, sempre ficando alguns pelo caminho, principalmente mulheres e crianças, eles fugiram para o norte e la fixaram moradas e colocaram o nome da região de Serra da Lua morada dos wapichanas.


O Canaimé ainda existe atualmente dentro das comunidades indígenas da serra da lua, só que em números reduzidos, eles matam crianças, velhos, homens e mulheres. Pajé contou que para matar um canaimé é preciso fazer uma defumação com pêlo do macaco Cuatá e fazer bala de cera da abelha Jandaíra, mas quem conseguiu fazer isso foi perseguido pelo resto da vida por outros canaimés. Eles costumam atacar pessoas que andam sempre sozinha(caçadores e pescadores) crianças indefesas, pessoas doentes e etc. Seu ataque é fatal, primeiro ele espanta as pessoas e elas desacordam, o canaimé então corta a língua , corta o pulso, quebra o pescoço e ainda coloca folha no ânus de sua vitíma e depois de tudo isso a pessoa torna em si, mas já está praticamente morta, pois matam o espírito primeiro, depois a vitíma fica com muita febre, não come, não bebe água e também não fala mais e o canaimé passa a noite rodeando a casa para terminar de matar definitivamente.


Antigamente existia muitos pajés bons que sabiam matar os canaimés, sabiam fazer orações no corpo dos mortos antes de enterra-los, pajé zé poeira jogava soda caústica no corpo da vitíma de canaimé, ele disse que depois de alguns dias o bicho volta no tumúlo de sua vitíma para comer sua carne e a salmora do corpo a soda contamina a criatura e seus comparsas matando-os com o acído. outras histórias contadas são com os Pêlos do macaco Cuatá que o pajé difuma e joga em cima do morto sempre fazendo seu ritual e quando encontra o homem que é canaimé ele fica completamente louco, alguns parentes da Guyana inglesa contaram que um homem por lá era canaimé e ninguém nunca suspeitava dele, mas um dia um pajé fez essa difumação com os pêlos do Cuatá e seus parentes contaram que ele estava em sua roça arrancando mandioca e de repente ficou louco, começou a pular feito macaco, rosnava que nem o bicho, arrancou suas roupas e começou a subir em uma arvóre grande por nome Samaúma e pulou lá de cima morrendo todo quebrado em baixo. Veja o relato de uma velha india wapixana por nome Maria madalena moradora da comunidade indígena Tabalascada que fez esses relatos verbais para João Paulo Jeannine  sobre o kanaimé para sua tese de mestrado  2008. ''as pessoas dessa comunidade quase todos morreram por causa do Chico macaco, ele era kanaimé, ele matou minha mãe, ela veio me carregando pelo jamaxim aí o kanaimé matou ela, quando minha mãe chegou da roça ela morreu, ela e o nenê que estava em sua barriga, tinha muita gente, aí as pessoas foram morrendo, o kanaimé matou tudinho, todo mês morria gente, eles viam da Guiana, pessoal ia ficando roxo, quebrado, o pescoço. quando eu cheguei pra cá morreu muita gente na Serra Grande, Novo Itento, Malacacheta, Tabalascada, Cantá e foi o kanaimé, parece que foi o Chico Macaco, ele matou meu pai, minha irmã eu tinha dezeseis anos quando isso aconteceu. Através da narrativa de Maria Helena supõem-se que essa mortandade tenha ocorrido por volta dos anos de 1937/38, alguns anos antes da criação do Território Federal do Rio Branco em 1943. A suposta epidemia de Kanaimé espalhou-se por uma vasta região.

  Zé mambira foi outro pajé que matou muitos kanaimés, porém foi perseguido pelo resto de sua vida, mas seu corpo era fechado e seus guias espirituais o cercavam toda vez que um canaimé se aproximava para atacá-lo. pajé ALEIXO foi um dos grande pajé de Roraima, foi ele quem fundou a comunidade indígena Serra da moça, morreu por ataque de canaimé quando fazia uma pescaria. Um Pajé da serra por nome Adelino ensinou para os mais novos de sua comunidade que para que o canaimé nunca possa enxergá-lo a pessoa tem que pedir para alguém trançar uma peneira em época de lua cheia e depois que ela tiver pronta  deve-se coloca-la em cima da cabeça e tomar banho com a peneira tres sexta feira. pajé pede que os parentes tomem muito cuidado com essas criaturas do mal pois elas estão em todos os lugares, seus donos são pessoas normais que nem nós, vivem em nosso meio, mas não a conhecemos. minha avó me dizia que esses bichos costumam matar pessoas principalmente nos meses de novembro e dezembro, quando saem de suas comunidades de origem e vão matar pessoas em outras comunidades  diferentes, ela dizia que os guianenses viam da guiana matar pessoas no Brasil, geralmente a noite, pois eles andam longe, passam uma batata na perna que lhes permite andar ligeiro, ou podem vir em forma de morcego voando, ou em forma de Coruja rasga mortalha, minha avó aconselhava seus parentes para nunca deixar seus filhos sairem a noite sozinhos para fazerem suas necessidades, pois os olhos do canaimé enxergam longe, nunca sair sozinho para pescar ou caçar, nunca ir sozinho para a roça, nunca deixar as crianças sozinhas em casa, nunca deixar criança brincando sozinha, nunca mexer em plantas que estão nas matas. quando ela saía principalmente para roça se defumava com Maruay o cheiro incomoda o bicho, pois maruay também é um pajé.  Uma pessoa quando é canaimé ela nunca olha direto nos olhos das pessoas, pois é no olhar que os pajés identificam os canaimés.  Kaimem.....




Referências Bibliográficas:




 CARNEIRO, j. jeannine, A morada dos Wapixanas - Atlas Toponímico Indígena da serra da lua (RR). Dissertação de Mestrado. USP. São Paulo, 2007.

TEMPO DOS NETOS.
Abundância e escassez nas redes de discursos ecológicos entre os Wapichana na fronteira Brasil-Guiana.
Alessandro Roberto de Oliveira
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (DAN/UnB) para obtenção do título de Doutor.





COURDREAU, H.A voyage a travers: les Guyanes et 'L Amazonie. librairie Coloniale, Paris. 1887.

KOCH-GRUMBERG, Do Roraima ao Orinoco. 1 vol. Editora, UNESP. (1917) 2006.






Autor. Ivônio Sólon (a história de nossos velhos)
Essa história está registrada no cartório do 2ª Ofício Deusdete coelho Boa Vista RR e todos os direitos autorais pertence a Ivonio Solon. Em caso de pesquisas as fontes deverão ser citada.e não poderão ser usadas para fins comerciais.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A Carta do Índio Chefe Seattle, "Manifesto da Terra-Mãe"





Já passaram muitos anos desde que foi escrita, apesar disso, a carta que se segue, não só continua atual como consubstancia uma crescente preocupação do homem de hoje. Foi em 1854 que o chefe Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, depois de o Governo norte americano ter proposto a compra do território ocupado por aqueles índios, respondeu ao presidente dos Estados Unidos endereçando-lhe a missiva que se anexa.A mesma foi divulgada pela UNESCO em 1976, quando das comemorações do Dia Mundial do Ambiente.Não está desafasada das nossas preocupações estéticas e culturais a questão ambiental ainda que esta temática tenha campo próprio, assim nesse contexto e ainda pela beleza do texto aqui lhe disponibilizamos a carta. Quinhentos anos depois da chegada de Pedro Alvares Cabral a Porto Seguro no Brasil, a preocupação do chefe Seattle natural que era daquele continente, e sem pretender alimentar polémicas de qualquer espécie, revelou então uma preocupaçãoà qual felizmente cada vez mais homens e mulheres de hoje, independentemente do credo filosófico ou religioso com que se identificam, da raça ou do continente em que se inseram, dão maior importância. E a causa ecológica passou a ser causa dos povos, e não só do chefe índio. Ao Chefe Seattle coube a gloria de com o seu perspicaz olhar de homem selvagem, como ele próprio se intitula , habituado que estava a visualizar o horizonte em busca de bisontes, que alimentassem a sua tribo, ter vislumbrado antes de todos a importância da terra mãe para o homem. E viu com o seu arguto olhar que a terra é nossa mãe e o sol nosso pai, e que podem um dia zangar-se!
Eis o texto da carta: "Como podeis comprar ou vender o céu, o calor da terra? A ideia não tem sentido para nós. Se não somos donos da frescura do ar ou o brilho das águas, como podeis querer comprá-los? Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. Qualquer folha de pinheiro, cada grão de areia nas praias, a neblina nos bosques sombrios, cada monte e até o zumbido do inseto, tudo é sagrado na memória e no passado do meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do homem vermelho. Os mortos do homem branco esquecem a terra onde nasceram, quando empreendem as suas viagens entre as estrelas; ao contrário os nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós.As flores perfumadas são nossas irmãs, os veados, os cavalos a majestosa águia, todos nossos irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencem à mesma família. Assim, quando o grande chefe em Washington envia a mensagem manifestando o desejo de comprar as nossas terras, está a pedir demasiado de nós. O grande Chefe manda dizer ainda que nos reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente uns com os outros. Ele será então nosso pai e nós seremos seus filhos. Se assim é, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. Isto não é fácil, já que esta terra é sagrada para nós. A límpida água que corre nos ribeiros e nos rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, recordar-se-á e lembrará aos vossos filhos que ela é sagrada, e que cada reflexo nas claras aguas evoca eventos e fases da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz do pai do meu pai. Os rios são nossos irmãos, e saciam a nossa sede. Levam as nossas canoas e alimentam os nossos filhos. Se lhes vendermos a terra, deveis lembrar e ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos irmãos, e também o são deles, e deveis a partir de então dispensar aos rios o mesmo tratamento e afecto que dispensais a um irmão. Nós sabemos que o homem branco não entende o nosso modo de ser. Ele não sabe distinguir um pedaço de terra de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, depois de vencida e conquistada, ele vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. A cova de seus pais é a herança de seus filhos, ele os esquece. Trata a sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que se compram, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. O seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos. E isso eu não compreendo.O nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. A visão de vossas cidades faz doer os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreende...Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só lugar onde ouvir o desabrochar das folhas na primavera, o zunir das asas de um insecto. Talvez seja porque sou um selvagem e não possa compreender. O vosso ruído insulta os nossos ouvidos. Que vida é essa onde o homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs nas margens dos charcos e ribeiros ao cair da noite? O índio prefere o suave sussurrar do vento esfolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio dia e aromatizada pelo perfume dos pinhais. O ar é inestimável para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. Mas se vos vendermos nossa terra, deveis recordar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. O vento que deu aos nossos avós o primeiro sopro de vida é o mesmo que lhes recebe o último suspiro. Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar onde mesmo um homem branco possa ir saborear a brisa aromatizada pelas flores dos bosques. Por tudo isto consideraremos a vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos a aceitá-la, eu porei uma condição: O homem branco terá que tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida. Tenho visto milhares de bisontes apodrecendo nas pradarias, mortos a tiro pelo homem branco de um comboio em andamento. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o bisonte, que nós caçamos apenas para sobreviver.Que será dos homens sem os animais? Se todos os animais desaparecem, o homem morrerá de solidão espiritual. Porque o que suceder aos animais afectará os homens. Tudo está ligado. Deveis ensinar a vossos filhos que o solo que pisam são as cinzas de nossos avós. Para que eles respeitem a terra, ensina-lhes que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies. Ensinai aos vossos filhos o que nós ensinamos aos nossos: Que a terra é a nossa mãe. Quando o homem cospe sobre a terra, cospe sobre si mesmo. De uma coisa nós temos certeza: A terra não pertence ao homem branco; o homem branco é que pertence à terra. Disso nós temos a certeza. Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une uma família. Tudo está associado. O que fere a terra fere também aos filhos da terra. O homem não tece a teia da vida: é antes um dos seus fios. O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio. Nem mesmo o homem branco, cujo Deus passeia e fala com ele como um amigo, não pode fugir a esse destino comum. Por fim talvez, e apesar de tudo, sejamos irmãos. Uma coisa sabemos, e que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Hoje pensais que Ele é só vosso, tal como desejais possuir a terra, mas não podeis. Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual tanto para o homem branco, quanto para o homem vermelho. Esta terra tem um valor inestimável para Ele, e ofender a terra é insultar o seu Criador. Também os brancos acabarão um dia talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai os vossos rios e uma noite morrerão afogados nos vossos resíduos.Contudo, caminhareis para a vossa destruição, iluminados pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e por algum desígnio especial vos deu o domínio sobre ela e sobre o homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último bisonte for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueada por fios falantes. Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. Termina a vida começa a sobrevivência."
FONTE: GOOGLE WILKIPÉDIA/DISCOVERY CHANNEL LATIN AMERICA

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

MINHA INDIA WAPICHANA


Ela também é descendente dos Wapichanas e é a india mais bonita da serra da lua, por ela tive que enfrentar os grandes desafios para que pudesse tê-la como minha Susui. entre os desafios: Matar uma Onça pintada usando apenas arco e flecha, pegar um Puraqué usanso a zarabatana, aguentar ferrada de cinco tucandeira para ficar esperto, tomar pajuaru forte duas semanas ferventando no balde, e matar um canaimé que andava matando pessoas dentro da comunidade, se diante de tudo isso escapasse com vida, ela era minha, como estou aqui contando história você ja pode imaginar o final dela.....

sábado, 8 de agosto de 2009

Entrevista na Rádio Folha 08/08/2009




Neste dia estive com AMAN na rádio Folha falando sobre o meu trabalho musical, dessa vez o CD rodou, graças a Deus, falei sobre a música nativo de Roraima que participei no festival do Sesc em 2008.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

NATIVO DE RORAIMA





























Eu sou índio de Roraima / Eu tenho o sangue puro
Os meus olhos são pequenos / Eu tenho o cabelo duro
Minha pele é morena / A cor dos meus olhos escuro.

Vivo aqui em paz / De bem com a natureza
No berço da minha terra / De maravilha e beleza
Ela é a nossa terra / É a nossa maior riqueza

Eu sou índio de Roraima / Bravura tenho no sangue
Sou do povo Macuxi / Wapichana, Taurepang
Ingaricó, wai wai / o meu povo é Yanomami.

Moro na serra da moça / Na maloca da barata
Moro na serra da lua / Mutamba, boca da mata
São Marcos, Serra do Sol / Santa Rosa e lá na Placa.

Eu vivo na pedra preta / No Anáro, no Samã
Canta galo, Tabalascada / Santa Inês e Uiramutã
Eu sou do Leão de Ouro / Do campinho, Maracanã.

Sou da Maloca da anta / Jatapuzinho, boqueirão
Eu sou do Caraparu / do flexal do Gavião
Sou indio do Lago Grande / Do tigre, milho e leão.

Nasci no berço do Ouro / Alto Arraia e manauá
Sou macuxi da ponta da será / Sou taurepang do Araça
Sou índio da Vista alegre / da Lage e do Marupá.

Eu sou lá do Aningal / Três corações e Juraci
Moro lá no livramento/ no contão e no Jacamim
Eu sou da pedra Pintada / Filho do Canaunim.

SOU INDIO SANGUE NATIVO
CRUVIANA DE PACARAIMA
SOU ESPIRÍTO DESSA MATA
SOU ANÇIÃO MACUNAIMA
SOU ANINKÊ E INSIKIRAN
SOU CANAIMÉ DE RORAIMA


AUTOR: IVÔNIO SOLON

NOSSAS RAINHAS DA SERRA DA LUA





BELEZA SELVAGEM


SOU A BELEZA DO MEU POVO

SOU O ENCANTO DESSA TERRA

SOU A FLOR DE CAIMBÉ

EU SOU DO POVO WAPICHANA

SOU ENCANTADA NESSA SERRA

UM ENCANTO DE MULHER

TENHO A PELE MORENA BRONZEADA DE URUCUN

SOU INDIA BONITA DO MURIRÚ

SOU DA SERRA DA LUA SOU ZYNABA, SOU SUSUI

MEU ENCANTO TEM FEITIÇO TEM PUÇANGA



QUE SEDUZ
SOU, SOU A MAIS BONITA INDIA DESSA SERRA
ROUBEI A BELEZA DESSA LINDA LUA, DESSAS CACHOEIRAS
SOU BELEZA SELVAGEM SOU A CRUVIANA
TENHO BELAS TRANÇAS COMO A DARRUANA
SOU WAPICHANA....
AUTOR: IVONIO SOLON ( TRECHO DA MÚSICA BELEZA SELVAGEM)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

(Artigo na folha) O INDIO E A MUDANÇA ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO


Esse Artigo foi escrito por mim e publicado no Jornal Folha de Boa Vista para rebater a ideologia Colonial que prega que somos ainda em pleno século XXI um povo manipulado péla igreja católica, Funai, ongs internacionais e que não pensamos por sí próprio, que fizeram uma lavagem cerebral etc.. na verdade mudamos sim, mais através da educação... para ler o artigo é so Clicar em cima da figura, valeu espero os comentários....

CRIANÇAS E JOVENS WAPICHANAS





























VEJA AQUI NOSSAS BELAS JOVENS E A BELEZA DE NOSSAS CRIANÇAS, SÃO BELEZAS INCOMPARÁVEIS QUE SÓ O CANAUANIM TEM!!!!