A TI de Jacamim localiza-se no extremo sudeste da
RISeL, na divisa com a Guiana. Foi a última TI homologada pelo Governo Federal,
através do Decreto sem número de 11 de outubro de 2005. A demora pela homologação
deu-se pela forma como os Wapixana resolveram demarcá-la, em área contínua (a
única da RISeL), diferente do restante que são
em ilhas. São 193.493
ha quase cinco vezes maior que a TI de Manoá/Pium. Sua área
espalha-se por dois
municípios Bonfim e Caracaraí.
Foi na TI de Jacamim que esta pesquisa foi discutida e
analisada pelos 17 tuxauas da RISeL,
entretanto, durante os três dias de assembléia indígena nós não pudemos sair do
malocão de reuniões e nem conversar com
nenhum Wapixana sobre a pesquisa. Este fato acabou nos impossibilitando de
coletar entrevistas com os moradores acerca da história do lugar e do topônimo. Neste sentido, iremos apenas
analisar neste trecho, os relatos de viajantes e alguns Wapixana, de outras
malocas que tinham algum conhecimento sobre a TI de Jacamim, como seu Casimiro
Cadete que formou, na década de 1970, os tuxauas das malocas de Jacamim, Marupá
e Wapum, além dessas, há na TI a recente maloca de Água Boa.
JACAMIM - O PÁSSARO DAS CINZAS
‘NAMATI’
O viajante Henri Coudreau, durante sua viagem à
região, já relata a existência de "Namatiwa'u" (namati,
‘jacamim’ e wa'u, ‘rio’) como um centro dos indígenas
Aturaiu. O viajante descreve as condições do lugar:
Namatchi Ouâ - Je m'installe dans une case qui a été abandonnée à la suíte de la mort de son propriétaire, qui a été enterrér
dans son domicile, ici, sous mon hamac. Lês trois cases sont situées au milieu du campo limpo,
et comme toujours,
non pas exactement sur um point culminant, mais um peu à cote.
D'ici nul horizon,
on ne voit pás une montagne
[...] (Coudreau, 1887,
p. 287)
Mais uma vez, vemos os hábitos mortuários dos Aturaiu,
comum aos Wapixana, outro indício da fusão cultural entre os dois grupos. Assim
como o hábito de morar no campo, no caso o limpo, expressão esta que Coudreau
nem traduz para o francês, talvez pela ocorrência freqüente do termo, mesmo entre os indígenas.
A informação sobre a ausência de montanhas na maloca
de "Namatchi Ouâ" é extremamente relevante, visto que a maloca
atual de Jacamim, do seu centro, consegue-se
observar a Kaziweruna dyky'u, serra
de Marupá (foto 21). Isto demonstra que a maloca deslocou- se para o oeste, no médio rio Jacamim, pois
para não se observar serras seria necessário que ela estivesse mais para o
leste, no baixo Jacamim, próximo a rio Tacutú. No relatório da FUNAI sobre a demarcação da TI de Jacamim, há no
mapa um símbolo representando uma maloca abandonada, exatamente na confluência
entre o rio Jacamim e o Tacutú.
Está claro pelo
relato do viajante francês que o zootopônimo Jacamim é uma translação
toponímica do rio de mesmo
nome. O Jacamim, talvez, por
ser ave domesticável195, tem grande
195
Koch (1917, p. 58) diz que o Jacamim,
“[...] esse ventríloquo engraçado, o melhor amigo do homem e um dos pássaros mais inteligentes e fáceis de domesticar.”
valor toponímico
para os Wapixana, visto que, há mais duas localidades com este nome, em
Malacacheta (Jacaminzinho) e o antigo nome do Alto Arraia.
Nas lendas Wapixana é freqüente a figura do pássaro,
numa delas mostra o porquê das plumagens cinzentas em suas costas:
Dois pássaros brincavam
juntos; brigaram e, como estivessem perto do fogo, cairam nele, ficando um
deles com as costas cinzentas, outro com o bico vermelho. (Jacami - pássaro de costas cinzentas porque caiu nas cinzas). (With,
1950).
Esta constante toponímica, no caso do Jacamim, é um
caso típico Wapixana, visto que, em toda toponímia brasileira, há apenas duas
ocorrências, restrito à região amazônica e somente como acidente geográfico:
serra do Jacamim (AM) e outra como, ig. Jacami (AC). Esta predileção pelo
pássaro, no caso indígena, é explicada também por Orico (1937, p. 128).
Si uma galinha desaparece ou morre, abandonando
a prole, o jacamim agacha-se,
carinhoso, oferecendo o agasalho de seu corpo aos pintinhos. Quando se aproxima
o dono da casa o jacamim vem
envolver os seus pés com a carícia
de suas asas, e procura distrair os seus olvidos com seus
gemidos soturnos, mas revestidos de certa harmonia. Entre os índios esta ave interessante é considerada "fetiche" de felicidade e tão disputada quanto as plumas do uirapuru pelas "cunhãtans" casadoiras. (o grifo é nosso)
A origem lingüística do topônimo, segundo Cunha (1978,
p.164) é do Tupi, iaka'mi, que acabou
gerando variantes196,
como: jacami, nos séculos XVII e XVIII; e jacamim no XIX e XX. A maloca de Jacamim enquadra-se nesta
última variante lingüística, provavelmente do século XX, visto que o viajante
francês a descreve apenas com o nome Wapixana. A sua tradução para o Tupi ou
LGA, deve ter ocorrido com os missionários beneditinos, no primeiro quarto do
século XX. A cartografia oficial197 e a Funai optaram pelo termo Tupi.
FONTE: João Paulo Jeanine Andrade Carneiro a morada dos wapixana Atlas Toponimico da região Indígena Serra da Lua.
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